O agir cristão: a necessidade de uma prática coerente

Quantas vezes nos indignamos com determinado tratamento que recebemos ou quando vemos alguém ser tratado de “maneira indigna”? No que se baseia essa “ira sagrada”? Por que algo nos parece bom ou ruim?

É comum a crítica de que alguém – ou os cristãos, em geral – “dizem uma coisa e fazem outra”. Podermos ir além e dizer: pensam de um modo, falam, provavelmente, diversamente daquilo que pensam e seus atos não estão de acordo nem com o que pensam nem com o que falam... Em que mundo estamos?

Nossa vida em comunidade, na Catequese, na Evangelização, sentimos muitas vezes a necessidade de “unir fé e vida”.  Nos dias atuais desenvolveu-se a consciência de que a fé não pode ficar relegada somente ao intimismo da vida particular de cada um sem um compromisso pessoal com a sociedade de uma prática coerentes com a fé no Deus-Pai Revelado por Jesus Cristo na força do Espírito Santo. Coerência é elemento chave na identificação do cristão.

“Uma ética cristã aponta sempre para os valores evangélicos e ao modo de ser e de viver do próprio Jesus Cristo”.

Consciência

Encontramos, hoje, muita dificuldade para entender o que é correto e o que não o é. Fala-se, comumente, de “crise da consciência moral” ou da “perda de valores. O que é correto para um indivíduo não o é para outro. O que foi correto em um momento não é mais em outra ocasião para o mesmo individuo. O “correto” é o que mais me convém no momento presente. Será verdade isso?

Ninguém pode decidir no lugar de outra pessoa, o que torna cada um profundamente responsável pelos próprios atos e suas consequências. Agir de acordo com a própria consciência é um direito do ser humano. No entanto, a consciência deve ser educada, esclarecida, pois, bem formada, ela é reta e verídica.

É na relação com Deus e com os outros que a nossa consciência se forma, amadurece, toma decisões e age com responsabilidade. O fato de sermos livres, mesmo que não o sejamos de uma forma absoluta, levanta o problema da responsabilidade. Se a nossa vida não está pré-programada pela natureza ou destino/Deus, a forma como a organizamos, o sentido que damos à nossa existência e o modo como solucionamos os problemas que surgem na relação com outras pessoas e com a natureza, é de nossa responsabilidade.

Esta responsabilidade, que nasce de nosso espaço de liberdade, é algo que pode parecer assustador. Pensar que o nosso futuro e o da própria humanidade estão nas mãos de cada um de nós – pelo menos no que toca à nossa responsabilidade – nos traz insegurança. Por isso, é muito tentador acreditar que as nossas vidas já foram predestinadas pela vontade divina ou pelo destino. Ou então simplesmente não pensar nestas coisas e imitar o que outros fazem, reproduzindo os valores e normas morais vigentes na sociedade. Sem se preocupar muito com a conquista do nosso ser e com as consequências futuras das nossas ações individuais e coletivas.

O homem novo: as virtudes cristãs, a forca da vida no Espírito.

“Os primeiros cristãos davam testemunho da ressurreição com grande alegria” (At 4,33). Muitos eram os sinais de vida e ressurreição, sobretudo na nova forma de viver da comunidade, sinal convincente da presença do Ressuscitado que tudo enche de vida, ele que é o “autor da vida” (At 3,15). Logo, não devemos estranhar que “ a cada dia o Senhor lhes ajuntava outros a caminho da salvação”(At 2,47).

Como cristãos, somos chamados a viver a comunhão com Deus e com os irmãos, tendo como alicerce as virtudes. Elas são a força de Deus agindo no nosso dia-a-dia, o vigor do Espírito alimentam nossas vidas. Regulam nossos atos, ordenam nossas paixões, guiam-nos segundo a razão e a fé. É importante viver na força de Deus, alimentar-se no vigor do Espírito, transbordar em misericórdia, porque vivemos no amor.

Se da parte de Deus, ressoa forte o chamado à vida plena, da parte do ser humano vai se desenhando a necessidade de uma resposta que exige empenho, compromisso, esforço, fadiga: são as virtudes.

São Gregório de Nissa dizia: “o objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus”. Esta vida plena é um caminho e um processo que nunca terminam. Para entrar nele é necessário “ter a coragem de ser o que somos para ser o que devemos ser” (CIC 1804). Trata-se primeiramente de conhecer-se a si mesmo, aceitar-se para que as potencialidades de cada um possam se desdobrar numa busca de “ser mais”. As virtudes são este apoio para perseverar e progredir na vocação e realizar-se na missão que nos é própria, indo na direção deste “ser mais” ou deste “mais” em Deus na nossa vida.

A virtude não rima com ensimesma mento nem com isolamento. Ela supõe comunhão com Deus e com os irmãos. O cristão virtuoso não é um mero espectador curioso e passivo do reino de Deus no mundo. Ele se insere no combate, engaja-se em favor dos irmãos e de toda a criação, como um militante animado pela presença de Jesus que diz: “Coragem, eu venci o mundo” (Jo 16,33).

São Paulo usa a imagem do combate e da luta para falar do cristão que não foge dos desafios que encontra na história humana (cf. Fl l,27-28). Os cristãos se sentem chamados a exprimir a sua fidelidade a Deus fazendo triunfar a vida, num combate que os compromete em todo o seu ser, em todas as suas dimensões, para que se mostrem inteiros, no vigor de uma prática que se contrapõe à injustiça e à morte.   

O vigor da vida no Espírito revigorando a nossa prática

Em Jesus Cristo temos a plenitude da manifestação do Espírito. Nós também precisamos nos abrir à sua ação, acolhendo o vigor de Deus, a comunicação de sua força, par a fazermos um caminho marcado pela nova lei. “Não tendes dúvidas de que vós sois uma carta de Cristo(...) escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em corações de carne, isto é, em vossos corações, (...) pois a letra mata, mas o Espírito comunica vida” (2Cor 3,3,6b).

Quem participa da força de Deus e é habitado pelo seu Espírito torna-se testemunha e fermento de uma vida nova que se traduz em prática. Não somos expectadores, mas protagonistas no combate para que a vida triunfe contra as forças do mal.

O ser virtuoso, que define o ser cristão, vem identificado com ‘viver segundo o Espírito’, conduzido por Ele, a seu serviço (cf. Gl 5,16-18.25; Rm 7,6; 8,3-8.14). É Deus agindo na história. É Cristo acompanhando a comunidade... Não há como ficar de ‘braços cruzados’ ante a ação do Espírito.

 

 

Por isso, também vocês estejam preparados. Porque o Filho do Homem virá na hora em que vocês menos esperarem. 45. Qual é o empregado fiel e prudente? É aquele que o Senhor colocou como responsável pelos outros empregados, para dar comida a eles na hora certa.46. Feliz o empregado cujo senhor o encontrar fazendo assim quando voltar.47. Eu garanto a vocês: ele colocará esse empregado à frente de todos os seus bens.48. Mas, se for mau empregado, pensará: 'Meu senhor está demorando'.49. Então começará a bater nos companheiros, a comer e a beber com os bêbados. 50. O senhor desse empregado virá num dia em que ele não espera, e numa hora que ele não conhece. 51. Então o senhor o cortará em pedaços, e o fará participar da mesma sorte dos hipócritas. Aí haverá choro e ranger de dentes." (Mt 24,44-51)